segunda-feira, 16 de julho de 2012

Dois minutos dentro de um retrato escuro

Fotografias só servem para nos alertar que os dias residem os agoras. Mas já era velho o homem que olhava o porta-retrato nas mãos trêmulas e que já não sabia distinguir espaço-tempo em seu duro coração. "A vida me fez assim", profetizaria ele se acaso ainda soubesse falar. Lhe restava trancafiar as emoções dentro do peito ou expressá-las em gemidos incompreensíveis. A memória fraca camuflava as lembranças e as sinapses não tinham mais a mesma eficácia e rapidez. O raciocínio espalhava-se, falhava em suas intenções. encobrindo pelas manchas das recordações as décadas que tentava recitar em prosas mentais. O que hoje lhe remanescia, como um prato frio repleto de desencantos incolores e embaralhados, era um corpo cansado. E a comida sem sal no asilo abandonado. 
Não longe dali, na babilônia nossa expressa a cada estilhaço de recomeços e términos, dentro do manicômio dissimulado em que sobrevivemos, tudo parecia igualmente maquinal e infeliz: a mesma impaciência mórbida, como se a pobre existência de cada ser fosse conhecer seu fim no minuto seguinte, a mesma exaltação incompreensível, o mesmo simulacro de acenos repetitivos, o mesmo pedantismo dos diabos. Para escapar a esses vagos alvoroços, não adianta orar, clamar dentro de igrejas ou tabernas: nenhum deus sabe de nós, porque existem infinitudes concretas no Universo e somos nada. Ainda que esteja a rondar a cadeira de rodas do velho um anjo, esperando o seu último suspiro que teima em não chegar, como se a morte estivesse de greve.
É preciso imaginar-se lúcido em meio ao tormento para que haja luz nos amanhãs em que depositamos nossas desconfianças, para que vislumbremos contornos em nossos devaneios, ainda que embarcados em dúvidas. Por debaixo das nuvens escurecidas que ameaçam terminar em chuvas torrenciais, o antigo e o recente, o original e o ultrapassado, o surpreendente e o banal, são apenas centelhas de interpretações nossas, todas distorcidas, corrompidas por insanidades amontoadas pelas eras que nunca mudam.

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