sábado, 6 de novembro de 2010

Errando os passos

Certas vezes, gostaria que outro alguém me fosse, para que pudesse olhar-me do meio da travessia, por uma fresta, e saber se nas coisas ofuscadas que tenho feito e pensado, e se nos absurdos transparentes que vivo a sonhar desperto, existe algum significado possível, ou se tudo o quanto quero ser é uma parte das alamedas tortuosas que levam os homens ao abismo profundo, ao poço sujo, ao cais esquecido.
Há um mundo inacessível dentro de mim: se examino meus detalhes, me faltam as fatias do meu todo; se me distancio, não vejo sequer minha sombra fria, que se estende sobre o chão que desmorona a cada passada. Não dá para exteriorizar, expandir o horizonte verticalmente, dar ao espírito um sentido amplo, fazer qualquer julgamento de minhas sensações ou mesmo do que ainda resta de minhas razões despedaçadas.
Preciso então que um outro alguém me aponte por onde continuar a trilha, porque eu não aguento mais errar meus passos. Não sei mais o que posso fazer com o que sobrou de meus anseios incompletos, e nem quantos espaços consigo ainda preencher e alcançar. Quantos pedaços necessários para não sentir essa saudade doída eu deixei pelo meio da estrada, e me chegam hoje em forma de estilhaços que me perfuram sem que eu perceba!
Queria que esse outro alguém, sendo eu, tentasse fazer de mim o que não consegui ser. Que tivesse mais coragem e sabedoria do que tenho, que sentisse pulsar menos as injustiças e absurdos humanos do que sinto, e que soubesse aceitar os erros das pessoas como eu nunca soube. Que sorrisse mais, e fosse dormir sem sentir condensada na boca do estômago todas as dores do mundo.
Tenho de correr de mim, ficar a uma distância segura, para que possa encontrar onde estão os rastros que fizeram eu me perder. Mas ao tentar sair do lugar, paraliso, e uma nostalgia de tudo o quanto não vi desfila como uma brisa mansa diante do passado que não tive, e me faz atentar para o fato de que sou composto por fragmentos, por recortes, por convicções vagas e descabidas.
Se estiverem todas essas inquietações postas dessa maneira, é como se habitasse em meu corpo trêmulo uma chuva barulhenta e pesada, na qual projeto minha raiva acumulada, minhas dúvidas e angústias, em direção a ignorância doentia e estúpida dos homens, como que para escapar de todo esse tormento que está em mim.
Sei então, como uma constatação atrasada e irreal que não necessita de teorias científicas para ser confirmada, que a vida é imensa, mas acabei por fazer dela impossível.

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